sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Distante do amanhã

sexta-feira, 17 de setembro de 2010
No final, era só papel picado e milhões de memórias sobrevoando a cidade.
O telhado daquele arranha céu era a única lembrança agora.
Estava cansada.
Você me consumia de longe e nao podia me salvar.
Minha culpa aquela noite de novembro!
Nevou no Rio de Janeiro, chorei por amor.
As lágrimas petrificaram meu corpo.
Sobrou apenas alma.
Não sobrei.
Não sobramos.
Somos.
Meu e tua.
Mesmo depois do amanhã.

sábado, 4 de setembro de 2010

Tudo azul

sábado, 4 de setembro de 2010
Dizem que o paraíso é o lugar perfeito, único.
Dizem que no paraíso é tudo mágico.
Passei 17 primaveras à procura dele. Do paraíso.
Do infinito, onde sorrisos falam e você pode voar.
Ah, o paraíso!
Poder sentir o cheiro do mar batendo no horizonte.
Sentir o sol aquecendo a lua, nua.
Tudo azul.
Deitar entre as flores e vestir-me de pétalas, as quais sejam retiradas uma a uma apenas com um olhar.
Amar.
Cansar do belo e perigar-se em um estalar de dedos, arranhões, beijos.
Dar voz a vida com um toque.
Tremer.
Viver.
Correr o corpo, morto, cansado, suado.
Gozar.
Fechar os olhos, abraçar apertado, morrer junto.
Ah, o paraíso!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Carbono

sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Mil e uma lâminas cortantes atravessaram minha vida composta por carbono.
Doce e cruel fim.
Pude sentir o mel escorrer a minha boca e ver partir os diamantes lapidados da pedra bruta que parasitava meus sentimentos.
Assisti à tudo ficar para trás.
Atrás do muro de concreto que você construiu entre nós.
Não há nada que se possa fazer, apenas lamentar, infelizmente.
Eu lamento não ter fugido dos tentáculos que, aos poucos, me aprisionaram, escapar dos lábios que me consumiram, apagar os sorrisos que me cegaram.
Pura e completamente entregue, nobre fim.
Você escreveu o final da história, e o seu livro vendeu milhões de cópias.
Agora, páginas amassadas e amareladas foram para a fogueira e permanecerão apenas na memória de quem vive.
E você matou sua personagem principal.
Morri no último parágrafo!

sábado, 1 de maio de 2010

A menina do conto sem fadas

sábado, 1 de maio de 2010
"Can't we give ourselves one more chance?
Why can't we give love that one more chance?
Why can't we give love...?"

Queen


O sol brilhava, pincelando a cor azul cristal no céu. Tão azul, que poderia ser comparado com a vasta extensão do mar do País das Maravilhas ou da Terra do Nunca. A calmaria que o som das ondas transmitia era como música para os meus ouvidos. Vai e vem, vai e vem, vai...
- Por que o mar é azul? – eu me perguntava tentando esquecer as problemáticas confusões que se passavam pela minha mente de menina.
O mundo em que vivo é muito bonito. Visto de fora e pela primeira vez, ele é perfeito. Às vezes até dizem que é mágico. Mas, não, com certeza ele é mais interessante visto pelo lado de fora, sem dúvidas: muito colorido, castelo, crianças... Apenasmente visto por fora.

Era bonito sim, mas, infelizmente, ela não conseguiria enxergar, não podia. Não queria. Ela era como uma lanterna, daquelas que não iluminam mais que cinco palmos diante do próprio nariz. A cega não enxergava o interior de nada. Mas eu sim, por ser interior, consigo ir muito além!
Não sou alguém concreto, em carne e osso. Assim, acabo por ser um parasita, há anos brigada com Teresa de Pedra.
Teresa nunca dá atenção ao que digo, insiste em trabalhar com o que vê e escuta e em ignorar minha sutil presença em sua vida. Uma pena, pois acredito que poderia ter-lhe sido muitíssimo útil quando necessário. Mas, nem isso ela aproveita...

Naquela manhã eu, finalmente, percebera que algo em mim estava faltando. Mas, obviamente, faltava descobrir exatamente o que me fazia sentir com um buraco negro no peito. O mar só estava me deixando mais confusa e perturbada.
Num som sem tom, entrei pela trilha guiada pelo atrás do azul. As plantas que me cercavam tinham uma aparência indagadora, como se a vida estática sentisse ciúme desta mobilidade. Fiquei parada, por alguns minutos, em pé com os braços abertos e olhos fechados. O sol batia forte em meu rosto. Estava fazendo fotossíntese.
Caminhei pelo entorno do rio, em busca dos afluentes que me compõem. Basta o pretérito de cartolina que envolveu minha vida até agora: regras, datas, gostos e costumes. Chega de pais controladores, como a dosagem diária de um antibiótico. Não quero mel com própolis. Quero ser abelha!
A flor que me habita não desfaz o labirinto de que me constituo. Se minha família é real, sou apenas floco de montanha. Encosto na árvore de mil anos, experiente como uma biblioteca rouca, à espera de que algo me venha, de que algo me fale, de que algo me salve. As folhas balançavam em ruído, revoltas.
Olhava para o nada e ouvia a cor do vento quando chora.

Dessa vez ela estava brincando com o perigo. Àquela altura, ela estava longe demais do castelo para que o sol pudesse acompanhá-la em seu caminho de volta. Minha função, automaticamente, se adapta para o alerta.
Então, eu pergunto: ela me escuta? Nunca!
A pedra que habita o coração dessa menina não pode ser removida por ninguém senão ela mesma, ela só precisa querer. Porém, ela não quer. Eu desisto.
Nossas divergências vêm desde sempre, quando Teresa começou a dar seus primeiros passos e não me ouvia dizendo que um movimento mal calculado poderia causar grandes estragos. E causaram. Sempre causam.
Seu reino é protegido das criaturas mágicas que existem mundo a fora, e tudo isso por um único motivo: super proteção à bonequinha de porcelana, frágil e irresponsável da família.
A culpada disso tudo: eu, a pobre consciência.

Eu estava literalmente encantada com toda a beleza natural daquele lugar mágico. Como poderia nunca ter ido além da prisão que meus pais chamavam de casa?
Libertei minhas madeixas, em forma de serpentes, na tentativa de achar uma resposta racional no meu arquivo pessoal. Porém, ele me calava. Por quê?
Olhando fixamente para o solo encoberto de seiva bruta, encontrei-me acompanhada. Sim, era impossível! Eu sabia. Não tinha ninguém ali. Então, o que poderia ser?
O meu diagnóstico vinha como resposta: loucura extrema!
Como pensar algo sensato em meio a tantas dúvidas? Aquele ser metade cabeça, metade corpo (talvez muito mais cabeça que corpo) me olhava aflitamente como se quisesse dizer algo. Eu o queria. Ele poderia, enfim, me carregar sem me amarrar, me puxar sem encostar, me mostrar o caminho sem apontar. Me querer!
Procurava que me dissesse. Mas, como sempre, não me disse.
Resolvi, talvez pela primeira vez na vida, que eu falaria primeiro.
- Quem é você? – nervosa fui levada pela onda positiva que vinha do menino.
“- Importa mais quem é alguém, de onde vem, sua família, seus genes; ou são as atitudes, os atos e gestos que importam mais? Não sei quem sou, nem ao menos se me sou. Ao passo em que me levo, não sou agente desse verbo ser. Você se é?”– Se eu sou o que? Aquela criança tinha me deixado confusa. Quis continuar.
- Digo, somos todos. Não somos?
“- O sumo desse ser que somos é a chave para saber se podemos de fato fazer alguma coisa da vida. Você faz a vida ou é a vida que te faz?”

Aquele menino estava mesmo prendendo a atenção dela por mais de dez segundos. Um milagre deveria estar acontecendo. O que me fez pensar se ela saberia a resposta a essa pergunta. Será que Teresa de Pedra sabe que, durante a vida inteira, ela se deixou guiar?

- A minha vida é minha!
“- Não fique tão possessa em possessivos. Este verbo, tão transitório, num minuto te rotula, noutro te faz fugaz. Se você olha para a árvore e apenas vê tronco, como saberá se, quando a árvore te enxergar, ela não verá apenas eco de corpo vazio?”
- Mas, o que pode existir além do tronco da árvore? Não vejo nada mais que simples folhas.
“- Você está mesmo de olhos abertos?”
- Por que não estaria? Meus pais sempre me disseram para fazê-lo. Os meus atos não têm como conseqüência a causa do que vejo?
“- Finalmente você está se enxergando, ou se perdendo totalmente. Se os atos geram olhos em vez de olhos ocasionarem atos, você obedece ao seu mecanismo, em vez de seu mecanismo te obedecer? É como ser guiada por uma saudade: pode te levar pela correnteza disfarçadamente, também pode te deixar imóvel. Saudade é ausência da desistência, assim como a desistência é a ausência final de uma saudade. Se teus atos estão de olhos fechados, você estará controlando a saudade ou é ela que enxerga por você? Consegue ver o gosto desse cheiro de terra molhada?”

Meu Deus! Não poderia estar acontecendo. Aquela criança iria mesmo dar um jeito na menina há anos aprisionada em sua bolha? A pedra estava sendo, aos poucos, eliminada de Teresa. Cada milésimo de segundo que passava minha atenção voltava-se mais para aquele ser “diferente”.

- Sinto saudade de tudo que não vivi, entende? Não sinto esse gosto, pois nunca senti mesmo o cheiro de terra molhada. Meus olhos só enxergam o que a saudade não pode me dar. Minha retina é eletrizada com carga diferente da minha pálpebra, mantendo assim meus olhos sempre fechados. Agora eu entendi! Mas, e esse buraco? E esse vazio? Meu coração não vê!
“- Ver é escrever. Enxergar é poesia. A diferença sutil entre o comum e a arte está no como. Se teus olhos não falam a mesma língua que teu coração, talvez seja bom conversar com peixes. Os peixes são os únicos que sonham com olhos de vida, sempre abertos. É preciso deixar que a vida entre, senão ela passará cada vez mais rápido. Na inversa velocidade em que o metrô passa pelas coisas, ela passará por você.”
- Os peixes escrevem poesia?
“- Talvez, se estiverem apeixonados.”
- Nunca me apaixonei. Por isso não posso ver?

Para mim, estava abrindo-se a luz no fim do túnel.
Só conseguia pensar no porquê de ele estar conseguindo fazê-la perceber o que eu passei a vida inteira tentando. Seria eu o problema?

Meus pensamentos estavam girando, acreditava estar conseguindo montar o quebra-cabeça da minha vida, achava estar conseguindo entender o que o Poeta tentava me dizer: se os peixes enxergam, e escrever é enxergar... Só posso concluir que os peixes escrevem. Mas se eles só escrevem quando estão apaixonados, eu teria que me apaixonar (por algo) para escrever e consequentemente poder enxergar.
Tudo se encaixava agora.
- Por que o mar é azul? – Perguntei aflita, voltando ao início da minha jornada.
“- Lágrimas de cor fazem líquido o coração. Mais que uma coloração, o mar é resultado de tantos sentimentos que o cercam. Mar amargo. Amaro. Sê-lo. Viver sem ar. Viver o mar. Abolir as distâncias que nos cercam. Fugir das margens: além mar. A-mar.”




Participação especial: Ramon Ramos (www.ramosramon.com.br)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Única

sexta-feira, 16 de abril de 2010
Era ela. Ela, sim !
Ela era: linda assim.
Assim era ela.
Era linda.
Assim como era. A mais bela.
Minha ela.
Linda era, e ainda é !

sábado, 3 de abril de 2010

Incompletude

sábado, 3 de abril de 2010
Essas coisas me deixam tonta.
O seu silêncio, o silêncio dele, o nosso silêncio.
Como quando não dizemos nada, mas queremos dizer tudo.
Por favor, diga alguma coisa.

Diga, quando estiver silêncio, que me ama.
Diga, quando estiver silêncio, a verdade. Mesmo que seja dolorosa...

E depois de feito o que foi feito; depois de nos entregarmos, o silêncio é o único que não hesita.
É o único que vai ficar do nosso lado; é o único que nos apóia.
É também ele quem nos interroga, que nos ataca com um punhal.
É ele que nos assombra nas noites de lua cheia, ou não.

Mas mesmo assim, estou farto desse silêncio que me cala, que arde.
Arde porque machuca.
Machuca pensar no que não se ouve.
Machuca tentar imaginar o que se passa na sua cabeça durante esse tempo.
Será que também te incomoda esse silêncio?
Será que você e eu estamos pensando o mesmo?
Por que você não põe um fim nisso? Por que eu não?

E quando eu acho que já me acostumei, que já sei o que fazer, sempre tropeço.
Aquele nó na garganta se forma de tal maneira que não consigo explicar.

Estudei esse silêncio, gravei todas as fórmulas, mas não deu certo.
Não há solução!
Não há como pará-lo. Ele vem e pronto.
E reina, impera. E ordena que o suor frio desça, que o coração bata mais forte.
Que nossos olhos se cruzem em oscilações com o chão ou com o teto ou com qualquer outro ponto além de nós.

Estou aprendendo a lidar com ele.
Com o nosso silêncio. Com o silêncio da vida.
Aprendendo para que, um dia, eu possa assassiná-lo.
Destruí-lo.
Para que a coragem me consuma, me fortaleça, me force a fazer o que já devia ter sido feito há tempos...

Que as palavras saiam involuntariamente e que esse silêncio finalmente seja preenchido.
Que eu possa sentir o alívio de ter, finalmente, cometido o único homicídio que eu sempre quis cometer...

...e que você o cometa da mesma forma, fazendo com que nos tornemos dois foragidos.

Dois assassinos.

Dois apaixonados.



Participação especial: Milton Santos

terça-feira, 2 de março de 2010

Prazer e desventura

terça-feira, 2 de março de 2010
Estou morrendo de amor.
Sim, morrendo por amor, por esse sentimento que não mata.
Me perdi no fascínio dos seus olhos, surpreendido, encontrei-me louco pela luz castanha remanescente da sua face dourada.
Era perceptível que aquele calor sonoro de festa orquestrada e flores coloridas surpreendia-me no ambiente em que a conheci.
Estava linda pairando no ar como uma bailarina.
Dançava, perdendo-se no brilho de sua sincera simpatia, o eixo era a cintura breve que vinha como ponto de equilíbrio para aquela postura de garça amante.
E ela nem olhava, nem ligava para a minha insignificante figura de plebeu.
Era rosa, rosa cor de Rosa, o laço de fita que se encontrava preso nas mechas escuras do cabelo mal definido.
E eu podia sentir paixão invadindo meu peito e me prendendo nos meus sonhos. Amordaçado em devaneios, a ilusão se dissipava enquanto a festa chegava ao fim.
Nobre fim!
As luzes se acendem e eu me encontro no chão, parado, vidrado na bela dama.
Se não é amor, como explico a dor horrível que sinto ao vê-la partir?
Apenas corrói o sangue que vejo transbordar pelo seu colo aberto.
Sua face agora branca como pluma de inverno perde a graça de menina mulher que me encantara.
Olho para minhas mãos e encontro o motivo da tragédia.
Se ao menos ela tivesse notado a minha presença poderíamos ter vivido um eterno romance.
Mas, ao contrário disso, morremos por amor, “e desse amor se morre!”.



“Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!”


do poema “Se se morre de amor”
(de Antônio Gonçalves Dias)
 
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